É quando ela olha para trás pelo canto do olho, divertida e com um sorriso que se não fosse tão doce seria malicioso e perverso, com o queixo escondido pelo seu ombro nu, com as costas despidas por uma toalha desajeitada e molhadas pelos cabelos negros com cheiro fresco a jasmim, de braços abraçados a si e mãos fixas no algodão que teima em cair, sentada na ponta de uma cama branca e já desfeita, que caio de repente na realidade de que não existe mais nada.
Não existe a porta para a varanda ao fundo do quarto nem os cortinados, nem a alcatifa que está por baixo dos meus pés, nem os candeeiros que ela tanto gabou nem o toucador com que ela sempre sonhou aos pés da cama, não existe o guarda-fatos nem as mesas de cabeceira escolhidas a dedo. Só existe ela.
O mundo desaparece e, depois de anos nisto, quando nem o ar consigo agarrar, no centro deste vórtex que insiste em não parar, só está ela.
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Ela, com aquela sua pele de seda e as suas sardas fundidas com um corar de menina, com aqueles olhos tão grandes e brilhantes agora tímidos e sem jeito, com o seu riso e embaraço aos tropeções um com o outro...
Ela, que me devasta a alma cada vez que me toca e me quebra todo o movimento, raciocínio ou pensamento quando me segura na cara e dá um beijo na cara, e que me desfaz em ventos quando me beija a boca...
Ela, que tão inocentemente me pede que a abrace sem perceber que quando o faço ela me está a roubar tudo o que eu poderia ter do mundo que me rodeia, e que por ser tão mulher arranca de mim todo o homem que eu alguma vez poderia ser...
Ela sabe que me tem na mão e é mesquinha! Usa aquele maldito perfume que me tira do mundo, e usa os truques mais velhos no livro de truques das mulheres para me rodar a cabeça e o peito numa roda malvada de perdição... E eu perco-me.
Perco-me nos jeitos dela, nas palavras, nos seus olhares mais distraídos... Ai, quando a apanho distraída... Bebo-lhe os movimentos, as expressões que ela faz sem se aperceber, o seu à-vontade despreocupado... Eu perco-me e encontro-me nela.
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É quando eu a olho olhando-me pelo canto do olho, numa postura tão sensual e delicada que inevitavelmente me desarma de qualquer mau sentir, com o seu charme clássico feminino, quase parisiense, que eu percebo novamente a razão do ouro que tenho na mão.
Perco-me no amor que sinto por ela.
O ar não me cabe no peito quando o meu coração a vê.
Amo-a.
E é nela que está o meu mundo.