Estava uma noite amena naquela cidade de pedra que eu quase não conhecia.
Aquele quarto de segundo andar era pequeno, quando se entrava quase se tropeçava num pequenino sofá individual. Do lado esquerdo estava logo a porta da casa de banho. Pequenina.
Quem entrava e se virava para a direita avistava um simples mas bonito varandim. As portadas e as grades pintadas de branco, destapadas dos cortinados, deixavam entrar a agradável luz de fim do dia. Dava para um pequeno largo, com um belíssimo jardim, e uma árvore antiga que saudava todos quantos ali dormiam.
Encostada à parede do lado direito de quem conversava com o pôr-do-sol, estava uma cama de solteiro, com uma pequena prateleira por cima. Na parede oposta, a um metro da cama, estava uma televisão que fiz questão de manter desligada. A cabeceira da cama encostava-se a um enxerto de parede perpendicular, que não deixava os sonhos sair porta fora.
As paredes tinham um tom de bege cansado pelos anos, que dava vontade de abraçar todo aquele espaço.
Respirar aquele ar doce e calmo pareceu-me tão pouco.
Queria aquele canto para sempre.
Estava cansada da viagem, e, depois de ajeitar as malas por baixo da televisão, pus-me mais à vontade e desci ao rés-do-chão para ir buscar um café com leite bem quentinho, que o ar fresco das noites de Outubro começava a fazer-se sentir.
Voltei ao quarto, com o café que pousei na prateleira por cima da cama, não fechei os cortinados porque sabia bem aquela luz da rua, peguei num livro e no mp3 e deitei-me na cama, virada para o pequeno varandim.
Quando ia ligar o mp3 ouvi um murmúrio da rua. Tirei os phones dos ouvidos e tentei perceber o que se passava.
Era um som suave, mas profundo. Tinha um toque de antigo, e uma certa inexperiência do que é novo, era perfeitamente equilibrado. Sabia tão bem ouvir.
Estava um homem, quase rapaz, na varanda do cimo do prédio em frente a tocar saxofone como se a estabilidade daquela cidade de pedra dependesse dele.
Parecia que tentava fazer o mundo girar ao contrário. Queria que o tempo voltasse para trás. A melancolia daquele som tocou toda a gente.
As ruas, que antes estavam tão agitadas, calaram-se para o ouvir.
E eu fiquei sentada no chão do meu quarto, encostada às portadas abertas, enrolada num casaco, com o café nas mãos e os pés a dar para a árvore que fazia as suas folhas ao vento acompanhar o senhor do saxofone, numa melodia tão fluida, tão quente, tão refrescante, tão diferente...
Ele nunca desistiu.
E eu acabei por adormecer com a janela descoberta, aconchegada e abraçada pelo calor da música daquele homem que libertava a alma num saxofone.
Foi um dos melhores momentos da minha vida.
Senti que não me faltava nada no mundo.
Agora fecho os olhos e sinto o luar, o vento, as folhas da árvore, e o som do saxofone reluzente do homem que tornou aquela noite tão melhor para Santiago de Compostela.
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2 comentários:
Bom texto! =D Um beijinho.
Oi!
Eu não te conheço e tu também a mim não deves conhecer.
Paseei apenas para dizer que este é um texto maravillhoso que me deixou escapar um sorriso do rosto! Gostei imenso de o ler. Parece que acariciou a minh'Alma e me beijou os meus cinco sentidos.
Foi bom ter lido tal relíquia, e espero voltar a ler tais textos.
Gostei imenso.
Um beijinho acompanhado por um:) para ti!
Isa
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